Todo o material foi digitalizado
A ação do tempo, ao longo de 107 anos, amarelou as páginas e enfraqueceu a visibilidade das palavras escritas nos documentos que registram a história de fundação e instalação da comarca de Chapecó, no Oeste. Para garantir a preservação e o acesso às futuras gerações, duas servidoras de Chapecó se dedicaram à digitalização de 30 cadernos, na época chamados de livros, em que foi escrito à mão todo o movimento de instalação da comarca e construção do fórum. Outra relíquia preservada são os processos feitos a punho, desde a abertura da ação até o arquivamento.
Foram meses de trabalho para digitalizar os documentos elaborados no período compreendido entre 1917 e 1960. Nos últimos anos, a datilografia já substituía a caneta, mas as peças judiciais eram coladas nos livros. Sem conhecer propriamente técnicas de preservação de arquivos, Leoni Rodrigues dos Santos e Hedvig Olga Kottwitz encontram meios e maneiras de acordo com a necessidade para resgate de cada peça. Por conta do tamanho dos cadernos, foi preciso fazer cópia das páginas em duas etapas. Depois, as cópias é que foram digitalizadas.
“Aprendi muito com esse trabalho. Fiquei encantada em conhecer tanto sobre a fundação da comarca e o quanto foi delicada toda essa caminhada até onde estamos hoje, desde os manuscritos até a digitalização dos processos”, conta Hedvig, que, durante o trabalho, encontrou a sentença do inventário escrito à mão da própria mãe, falecida no parto da servidora, em 30 de junho de 1955. “Foi emocionante, não esperava!”
A digitalização priorizou os processos da Justiça catarinense. A chefe de Secretaria do Foro da comarca de Chapecó, Suzeli Scheffer Lucietto, destaca que fez questão de guardar e facilitar o acesso dos arquivos digitais.
“É uma forma de manter viva a memória coletiva e a identidade cultural da nossa comunidade. Trata-se, não apenas, de pedaços do passado, mas de testemunhos de acontecimentos que moldaram a sociedade atual. É como guardar um tesouro, só que de histórias e conhecimento. Eles oferecem insights preciosos sobre a vida e eventos passados na região, na época em que foram criados, além de servir de base para pesquisas acadêmicas e pessoais. A preservação desses conhecimentos garante que as histórias, acontecimentos e experiências dos nossos antepassados não se percam com o tempo, o que é muito importante para educar e inspirar as gerações futuras.”
O prazo para conversão integral do acervo ao meio eletrônico está determinado no artigo 3º da Resolução n. 420/2021, editada pelo Conselho Nacional de Justiça. A medida visa maior celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.
“Na comarca de Chapecó é constante a preocupação para que cada uma das unidades judiciais, mesmo atuando com juízo 100% digital, alcance a digitalização e migração de processos arquivados ou suspensos para o meio eletrônico, buscando, com isso, atuar com a integralidade de seus processos em meio eletrônico. Importante destacar o empenho dos servidores para que esse objetivo seja atingido, em especial o das servidoras Hedvig Olga Kottwitz, lotada nesta comarca desde 29 de janeiro de 1985, e Leoni Rodrigues dos Santos (lotada desde janeiro de 1990), que sempre de forma zelosa se mostraram dispostas a contribuir com este importante processo de modernização do Poder Judiciário, que está resultando numa prestação jurisdicional mais célere e eficiente à população”, reconhece o juiz diretor do foro da comarca de Chapecó, Juliano Serpa.
ENCHENTE
O trabalho das servidoras já ultrapassou fronteiras. A dupla recuperou no mínimo 20 processos que estavam no arquivo da comarca de Palhoça, na Grande Florianópolis. Os documentos foram atingidos por uma enchente que invadiu o fórum em 2022. Com muita delicadeza, fizeram-se cópias das páginas para preservar o conteúdo. Depois, as folhas foram separadas, já que muitas ficaram grudadas pela lama.
Foram meses de trabalho minucioso. Um dos processos que estavam nessa situação tinha mais de mil páginas. Dona Olga, como é carinhosamente chamada, lembra que todas as folhas foram colocadas no chão para conferir a ordem e organizar a digitalização. As servidoras já tinham experiência com esse tipo de desafio, pois restauraram várias caixas de processos que foram molhadas quando um encanamento estourou, na pandemia, no quarto andar do fórum de Chapecó.
Dona Olga virou especialista na digitalização. Foi sua missão durante a pandemia, quando trabalhou em casa. Mas antes já exercia a função no cartório da 1ª Vara da Fazenda Pública de Chapecó. Agora, ganhou uma sala exclusiva para o trabalho. Tanto ela quanto Leoni possuem tempo de trabalho suficiente para se aposentar, mas parar não está nos planos.
“Fico muito feliz por estar no fim da minha carreira e, mesmo assim, receber tantas atribuições importantes e minuciosas de ‘garimpar ouro em vulcão’, pela dificuldade. Mas o desafio nos instiga a desempenhar nossa missão cada vez melhor. A confiança que depositam em nosso trabalho me deixa realizada”, celebra dona Olga.
Imagens: Divulgação/Comarca de Chapecó