Saúde da Alesc debate projeto que visa garantir direito à cesariana e analgesia no parto; debate aborda humanização e riscos, e autora admite mudar redação
A proposta de gestantes optarem pela cesariana eletiva a partir da 39ª semana de gestação, e o direito à analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal, foi tema de audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, realizada na tarde desta sexta-feira (5), no auditório Antonieta de Barros. Essa era a proposta do Projeto de Lei (PL) 202/2025, apresentado pela deputada Paulinha (Podemos), que deverá sofrer mudança de redação na Comissão de Saúde, que debate o mérito da proposta.
A própria autora admitiu a necessidade de mudar a redação em função de críticas apresentadas durante a audiência. Ao final, ela abriu espaço para o encaminhamento de sugestões de alterações do texto e disse que vai trabalhar com o relator do projeto, deputado Dr Vicente Caropreso (PSDB).
Apelo e Histórico de Negligência
Paulinha considera necessário o debate sobre a humanização da assistência obstétrica e ressalta os diversos casos em que, durante o trabalho de parto, muitas mulheres ficam por horas clamando por cesariana, em situações reais de risco para o feto e para a própria parturiente. “Em redes sociais do mandato, já recebemos mais de 10 mil manifestações favoráveis nos últimos meses, com relatos que impressionam”, pondera a deputada.
“Muitas mulheres, por não terem condições financeiras, em atendimento pelo SUS entram em sofrimento. Há casos mais graves, que resultam em sequelas das crianças, e o que deveria ser um momento maravilhoso na vida da família se transforma em tragédia. E há casos extremos, que envolvem morte da gestante ou do bebê”.
A proposta inicial da deputada foi apresentada em 2019, sempre levando em conta os relatos de maus tratos envolvendo parturientes, e tragédias com mortes de bebês e até de mães durante o parto. O projeto foi arquivado ao final da legislatura anterior.
Paulinha reapresentou o projeto que pretende assegurar que o direito de escolha da gestante seja respeitado, desde que levados em conta toda a informação necessária sobre as modalidades de parto, as orientações médicas e os riscos à mãe e ao bebê, também diante de um parto por cesariana.
Importância do Diálogo e Dados Estaduais
Dr Vicente, que é médico e vice-presidente da Comissão de Saúde, abriu os trabalhos e logo manifestou sua posição: “Nunca se pode perder o diálogo entre médico e paciente. Se isto se rompe, todos perdem”.
O secretário de Estado da Saúde Diogo Demarchi participou da audiência e disse que nenhuma vítima pode ser negligenciada, mas ressaltou que Santa Catarina tem estatísticas já elevadas de partos por cesarianas, 57% em 94 mil partos realizados em 2024. Ele entende que cuidados e a humanização de procedimentos nos ambientes das maternidades precisam ser aprimorados.
Demarchi contou, inclusive, que tem uma história de tragédia em família, uma prima que por demora no parto teve lesão cerebral e há 20 anos exige cuidados especiais. “Devemos discutir parâmetros, regramentos e até a questão do limite da gestação para definir uma possível cesariana”.
Os Riscos das Cesarianas e o Aspecto Jurídico
A presidente do Conselho Regional de Medicina, a médica obstetra Andréa Antunes Caldeira de Andrade Ferreira, também pontuou que já na versão apresentada em 2019 teve dificuldades para assimilar a proposta como viável. “Considero que o projeto pode ter desdobramentos que geram preocupação, com efeitos perigosos”.
A médica destacou a importância de acompanhamento de gestantes com um pré-natal de qualidade e exames que garantam a determinação do tempo exato de gestação, como o ultrassom transvaginal. Também falou sobre a importância do acompanhamento adequado da parturiente no ambiente das maternidades.
Ela ainda apontou que os partos por cesariana têm risco de morte até sete vezes maior que por parto normal, que as parturientes têm 200 vezes mais risco de hemorragia, cinco vezes mais possibilidades de infecções puerperais e três vezes mais possibilidades de sofrerem acidentes vasculares cerebrais (AVCs) no futuro.
“A cesariana é uma cirurgia de grande porte”, disse Andréa Ferreira, lembrando que também oferece riscos de lesões para os bebês. “Tem que saber quando fazer, quando não fazer, e saber orientar”, ponderou, salientando a importância da decisão médica. “Do jeito que está (o projeto), a paciente pode pensar que o parto normal é o diabo”.
Em seguida, a advogada representante da Comissão de Direito da Saúde da OAB, advogada Laura Celarrius, defendeu a redação sob aspecto jurídico, do ponto de vista constitucional, enfatizando o direito “à autonomia do paciente”.
Depoimento Emocionante e Lei Melissa
A fala de Raquel Aforso emocionou os participantes. Ela e o marido já haviam aparecido num vídeo exibido no início da audiência, com relatos de vítimas de situações trágicas, que resultaram em perdas de bebês durante o parto.
Em 2019, ela estava em seu terceiro parto aos 37 anos. Como era o período da pandemia, ficou sem direito a acompanhante e por várias horas em trabalho de parto, com 41 semanas. Foi submetida a indução com altas doses de medicamento, sofreu ruptura uterina e ainda demorou três horas para ser atendida. Clamou por uma cesariana, mas o atendimento foi negligenciado. A filha, que segundo ela, era “um bebê saudável, com 3,6 quilos, nasceu morta, sufocada”.
Raquel conta que já no segundo parto sofreu maus tratos, e diz que passou a ter conhecimento de muitas histórias como a dela. “Mulheres são silenciadas todos os dias.”
A morte da filha de Raquel inspirou outro projeto da deputada Paulinha, a “Lei Melissa”, sancionada como Lei nº 18.964/2024, em homenagem à bebê que não sobreviveu durante o parto. O objetivo é combater a violência obstétrica e garantir o atendimento integral e humanizado às mães.
A legislação prevê que hospitais (públicos e privados) devem ter protocolos específicos para a atenção à mulher em trabalho de parto ou recém-parturiente, incluindo acompanhamento psicológico e social para casos de perdas gestacionais ou violência.
Preocupação com Bebês Prematuros e Responsabilidade
A diretora técnica da Maternidade Carlos Corrêa, Lissandra Andujar, também apontou críticas a uma proposta que pode estimular a ampliação de cesarianas, com risco de antecipação de nascimentos.
Ela relatou que 305 bebês passaram pela unidade neonatal da maternidade em 2024, e até esta semana já foram 374 internações em 2025.
Responsabilização Perigosa
Jurema Franco, que é doula há 11 anos em Florianópolis, também se manifestou preocupada com o projeto. Ela disse que não é contra cesarianas quando necessárias, mas acha que passar a decisão sobre fazer ou não a cirurgia para a parturiente “é transferir responsabilidade num momento delicado”.
Outros profissionais de saúde também se manifestaram sobre a necessidade de melhorar as condições de atendimento às gestantes e parturientes, tanto para garantir exames necessários no acompanhamento da gestação, como para garantir equipes adequadas no momento do parto, inclusive de enfermagem.
Perguntas Frequentes
1) Qual o foco do Projeto de Lei 202/2025?
Assegurar o direito de gestantes optarem pela cesariana eletiva a partir da 39ª semana e terem acesso à analgesia no parto normal.
2) Qual a principal crítica médica ao projeto?
Os partos por cesariana têm risco de morte até sete vezes maior que por parto normal e podem gerar complicações como hemorragias e infecções.
3) O que inspirou a Lei Melissa (Lei nº 18.964/2024)?
A morte da filha de Raquel Aforso, que não sobreviveu devido a negligência durante o parto, resultou na criação de uma lei para combater a violência obstétrica.
Com informações: Pedro Schmitt – Agência AL
Deputado Dr VicenteFOTO: Bruno Collaço / AGÊNCIA AL